Indie Lisboa 2009 - Dia 1
O final do mês de Abril corresponde sempre ao regresso a um dos meus maiores vicios, o Indie Lisboa, local onde descubro cinematografias/filmes "diferentes" e, quase sempre, interessantes. Este ano, contudo, falhei o primeiro dia do Festival (23 Abril), correspondendo esta crónica ao segundo do Indie (24 Abril).
Antes de comentar os filmes propriamente ditos deste dia, quero referir a existência de mais 2 espaços de exibição no Indie Lisboa 2009, Cinema City Alvalade (duas excelentes salas de um cinema de bairro recentemente recuperado com muita qualidade) e o auditório do Museu do Oriente. Por outro lado, e de forma negativa, este ano não é exibido nenhum filme de Johnnie To, situação anómala face a anos anteriores (era o totalista do Indie) e que tanto fez pelo carisma do festival... será que após a retrospectiva selectiva do ano passado os promotores do Indie tiveram medo de saturar o público?
Comecei com o filme chileno "Alicia en el País", retrato de uma menina de 13 anos que percorre uma distância de mais de 160 kms a pé, entre a sua cidade natal na Bolívia e o norte do Chile, em busca de emprego na cidade turística de San Pedro de Atacama. Apesar de para nós europeus poder ser considerado penosa tal caminhada, para os quechua (principal grupo étnico do antigo império inca e do qual pertence Alicia) se trata de um feito ligado à espiritualidade e tradição, outrora fazendo a ponte para a idade adulta e, actualmente, ligado à entrada ilegal de pessoas no Chile.
O filme apresenta uma estética muito devedora de Gus Van Sant (principalmente do filme "Gerry"), optando o seu realizador (Esteban Larraín) a filmar em longos planos sequência a sua protagonista, tendo por "banda sonora" a sua respiração e passos no meio de paisagens de perder o fôlego. Trata-se de um filme díficil, contemplativo e espiritual que nos consegue fazer sentir o mesmo que Alicia. Ainda existem pequenos flashbacks da sua infância junto da familia.
Apesar da beleza do objecto e do seu formalismo estético, é um filme muito complicado e profundamente de arte e ensaio... creio que será este o pior filme daqueles (a rever no final do Indie) que escolhi ver este ano. Quem me conhece sabe da minha pequena aversão a pipocas na sala de cinema, situação que existe no Cinema City Alvalade, e eu não compreendo como é que pessoas entraram com baldes de pipocas para assistir a um filme destes... o filme repete dias 29 Abril (21:30 no Cinema City) e 02 Maio (00:00 no Cinema City).


Seguiu-se o documentário "Tyson", realizado por James Toback, em sessão única neste Indie Lisboa. Trata-se de um documentário, na primeira pessoa, sobre o pugilista americano Mike Tyson e a sua forma/opções de vida. Não sou apreciador de boxe, contudo a figura "bigger than life" de Tyson, nas suas discrepâncias e incongruências, entusiasmou-me a assistir a esta película.
Uma das grandes curiosidades do filme foi saber que Tyson ganhava por K.O., quase sempre nos primeiros rounds, tendo em vista evitar que os combates durassem muito tempo e lhe faltasse o ar, já que é asmático desde criança. Depois o que vemos é, no fundo, um miudo outrora gordo e saco de pancada dos outros, com um medo atroz de voltar a sofrer e, como consequência disso, protege-se a si próprio. O filme não escamotei nada do seu passado, desde a atracção pelos gangsters de rua, a sua passagem por reformatórios juvenis (onde se sentia em casa tal era a quantidade de amigos que lá encontrava), culminando no aparecimento do seu mentor, Cus D´Amato, que lhe permite recuperar a auto-estima pela via do boxe e reencontrar um pai.
Trata-se de um filme onde não existe qualquer tipo de desculpabilização da imagem e atitudes de Tyson ao longo da sua vida, seja pelo casamento falhado com Robin Givens (e as agressões fisicas a esta), a orelha arrancada de Hollyfield (e a loucura que o assolou após a morte do seu mentor) ou a sua prisão por violação de uma candidata a Miss América. Tyson é uma personagem complexa, intensa e falível (não serão assim todos os mitos?), tornando-se assim ainda mais humano, apesar do "animal" de arena que era.
Obscuro, íntimo, violento, cómico, absurdo, erótico, trágico e humano, Tyson é uma figura, antes de mais, marcada pelas suas raízes, tanto étnicas como de classe. Um homem com muito medo de voltar a sofrer que, a certo momento do filme, diz querer ser amado mas que nada tem para dar em troca. Um grande filme que deveria estrear comercialmente em Portugal.
O fim do dia deu-se com "Louise-Michel" da dupla Benoit Delépine e Gustave Kervern que já tinham trazido ao Indie uma anterior metragem de seu nome "Aaltra" (road movie com dois tipos em cadeiras de rodas), recheado de um humor muito próprio e intensamente negro.
Em traços muito gerais, o filme retrata a história de um grupo de trabalhadoras de uma fábrica de brinquedos, em dificuldades, que encontram uma manhã o edifício vazio, sem maquinaria e sem saber onde pára a equipa de gestores. A proposta de uma das trabalhadoras, Louise, passa por juntarem o dinheiro da indemnização que dispõem para contratar um mercenário, tendo em vista assassinar o patrão.
Recheado de um humor rebelde, imaginação cartoonesca e uma banda sonora com o melhor indie rock é, igualmente, tremendamente negro. Michel, o tal mercenário contratado, não consegue sequer disparar contra um cão (mas adora disparar contra as estrelas) quanto mais numa pessoa, usa doentes em estado terminal para executarem as suas funções. Louise, uma mulher meio atrasada mental, captura animais para comer (como pombos) e como não consegue adquirir uma garrafa de vodka bebe liquido para fogueiras. Por este excerto já se vê o grau de loucura deste filme, uma tremenda critica ao neo-liberalismo e à globalização.
O facto de Louise e Michel não serem bem mulher e homem respectivamente, torna o filme ainda mais interessante na sua miscelânea de temas. Um filme a descobrir que repete dias 26 Abril (21:45), 27 Abril (15:30) e 30 Abril (21:45), sempre no Cinema City Alvalade.
Carpe Diem.

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