O documentário tem como tema o escândalo da prisão iraquiana de Abu Ghraib onde, pela voz dos próprios protagonistas, se procura entender o porquê das fotos e dos actos que atravessaram a ténue linha que separa o interrogatório da tortura e fizeram George W. Bush pedir desculpa publicamente.
O esquema de Errol Morris consiste em entrevistar terceiros sem que as perguntas se vejam ou ouçam, criando um efeito de aparente diálogo com o espectador. Esta situação permite que nos centremos nas expressões faciais, no que é dito (e sobretudo no que não é), salientando a incongruência e desconforto com naturalidade.
Intercalando as diversas entrevistas, surgem momentos de reconstituição das situações das principais fotos, mas quem procure razões para o que aconteceu não as encontra neste filme. Encontramos nestes soldados um misto de loucura, excesso de juventude, estupidez natural, incapacidade de sentir o outro como um igual e uma profunda insensibilidade/ausência de sentimentos perante a violência (em certos momentos veio-me à memória o filme "Funny Games" do realizador Michael Hanneke).
Independentemente de gostarem ou não de documentários, este é essencial tal como já acontecia com o anterior do mesmo autor, com o nome "Testemunhos de Guerra" ("Fogs of War", no original) e que teve uma estreia discreta seguindo logo para DVD (eu tive a possibilidade de o ver no Indie Lisboa e recomendo-o vivamente). Não se trata de um documentarista com estilo do Michael Moore, contudo, consegue ser bem mais incisivo do que em todo o show-off deste.
O filme apresenta muitos momentos chocantes na forma como alguns protagonistas se referem aos acontecimentos (nenhum se arrepende, apenas lamentam ter aparecido nas fotos ou estado nos locais onde elas foram tiradas) e desses destaco: Lynndie England (rosto inexpressivo e estupidez evidente) dizendo que não mudaria nada do que aconteceu porque graças aos momentos em Abu Ghraib teve um filho (de um dos principais soldados/torturadores que era casado com outra das protagonistas) ou Sabrina Harman (um bloco de gelo de emoções, contrastando com as cartas que enviou à sua namorada durante o tempo que esteve em Abu Ghraib) a justificar as fotos como sendo provas do que se passava e, ao mesmo tempo, dizendo que o seu dedo espetado de "aprovado" e o sorriso foram apenas reacções inconscientes de quem aparece numa foto e não falta de respeito pelos torturados.
A grande conclusão a que se chega é que se as fotos não existissem não haveria escândalo e nada disto tinha sido falado, já que a maioria dos actos cometidos são considerados SOP pelo exército americano. O facto da maior parte dos prisioneiros serem inocentes torna toda esta situação ainda mais atroz e o silêncio das patentes superiores é ensurdecedor. Logo no inicio do filme se vê como Rumsfeld na sua visita inicial a Abu Ghraib só fica a conhecer parte das instalações e toda a zona da tortura é evitada por este... como que dizendo que "quem não vê não sabe".
Uma última referência ao titulo original, trata-se do termo que o exército americano considera para operações padrão e que não são definidas como tortura... um exemplo? Aquele "suspeito" em cima de um caixote com capuz na cabeça, falsos fios de electricidade nos braços e mãos e a ameaça de que se caisse era electrocurtado, foi considerado uma SOP... assustador, não?
Carpe Diem.
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